quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Álgebra Linear: Matrizes com Mathematica

O ano letivo está para começar e eu preciso escrever sobre os tópicos de álgebra linear e geometria analítica. A promessa de escrever sobre Taylor em duas variáveis vai ficar para as férias do meio do ano, pois assim fica um suplemento pro pessoal de agora que irá fazer cálculo 2 no semestre que vem.

Esse post vai falar um pouco sobre operações elementares em matrizes e alguns teoremas que decorrem dessas operações. Utilizarei conceitos como combinação linear, mas não vou explicá-los no decorrer do assunto. Além disso, concomitante com a teoria, darei exemplos utilizando o software Mathematica. É um bom conselho começar a utilizar esses softwares, pois serão de grande ajuda no futuro.

Bem, continuarei a falar de matrizes, mas dessa vez sem recorrer ao uso de determinantes. A rigor, é possível deduzir grande parte dos resultados de sistem através de operações elementares, matrizes linha equivalentes, etc, sem determinantes, e hoje veremos um pouco sobre isso (estou assumindo que o corpo é dos reais, mas isso não vem ao caso agora) com mais formalidade, mas tentando manter o lado intuitivo do negócio.

Primeiros vamos definir quais são as operações elementares permitidas numa matriz $A$ qualquer, $m\,x\,n$.
  1. multiplicação de uma linha por um escalar $c\neq 0$.
  2. troca da linha $i$ pela linha $i$  mais $c$ vezes a linha $s$, com  $c\neq 0$ e $i\neq s$.
  3. troca de linhas de $A$.
Essas são as regras do jogo. O leitor deve ter visto que o determinante de uma matriz não muda quando realizamos esse tipo de operação. Vamos ver algo um pouco mais interessante do que isso.

Definição: Sejam $A$ e $B$ duas matrizes $m\,x\,n$. Dizemos que $B$ é linha equivalente a $A$ se $B$ pode ser obtida de $A$ por uma sequência finita de operações elementares.

Só para exemplificar, no Mathematica, definimos um vetor como uma lista de números entre chaves. Uma matriz é uma lista de vetores (horizontais).


In[número] quer dizer que essa linha foi nossa entrada de número x. No caso, linha1,2,3 são os nomes que eu escolhi e referem-se às linhas da matriz que foi definida como sendo uma lista de listas logo abaixo, em matriz:={linha1,linha2,linha3}. Quem está acostumado com programação entende que eu defini minhas variáveis (as linhas das matrizes) e as chamei em outro comando. O mathematica se encarrega de trocar, sempre que ver linha1, por {2,6,5}, e assim por diante.

Bem, fazendo uma operação elementar:


Eu chego na nova matriz
Cuja linha 1 foi dividida por 2. Essa matriz é linha equivalente a matriz inicial, por nossa definição.

Existe um teorema que diz que se $A$ e $B$ são linha equivalentes, então os sistemas lineares homogêneos $Ax=0$ e $Bx=0$ possuem a mesma solução. A prova desse teorema não é tão complicada, basta estudar alguns casos simples. Por exemplo, todo mundo sabe que num sistema 2x2, somar uma equação à outra não traz nenhuma nova informação para o sistema original, de modo que a solução se mantém. Do mesmo modo, podemos aplicar a operação inversa na matriz (nova) e voltar a original, e isso de novo não muda a solução. Como em geral o número operações elementares para sair de $A$ e chegar a $B$ é arbitrário, basta mostrar que a solução se mantém para uma operação, que estará demonstrado para todas as outras.

A força das operações elementares é que podemos deixar a matriz mais simples, com zeros e uns para simplificar as coisas subsequentes.

Definição: Uma matriz $A$ é chamada linha reduzida se:
  • a primeira entrada não-nula de cada linha não-nula é 1.
  • cada coluna de A, que contém a primeira entrada não-nula de uma linha, possui todas as outras entradas nulas (ufa!)
Leia com calma as definições e veja um exemplo abaixo


Essa matriz é linha reduzida pois a primeira entrada de cada linha é 1 e os outros elementos das colunas (que começam o 1) são todos nulos.

Um teorema garante que toda matriz é linha equivalente a uma matriz linha reduzida, o que quer dizer que é sempre possível através de um número finito de operações deixar uma matriz na forma linha reduzida.


Definição: Uma matriz $R$ está na forma escada se:
  • $R$ é linha reduzida
  • toda linha completamente nula ocorre abaixo de uma linha que possuí entradas não-nulas.
  • se as linhas $1,2,\ldots,r$ são não-nulas e se as entradas não-nulas de cada linha $i$ ocorrem na coluna $k_i$, com $i=1,2,\ldots,r$, então $k_1<\ldots
As duas primeiras são fáceis de entender, a última requer mais pensamento mas é simples - ela estabelece que as ordem das colunas deve obedecer à ordem das entradas não nulas. Ou seja, a linha que possuí 1 na primeira coluna, deve ser também a primeira linha. A linha que possuí 1 na segunda coluna, deve ser a segunda linha, e assim por diante. Um exemplo de matriz na forma escada é a identidade. Também é a anterior, se trocármos as linhas 2 com 3.


Segue imediatamente que toda matriz é linha equivalente a uma matriz na forma escada. Pois se toda matriz é equivalente a uma matriz linha reduzida, basta mais algumas operações para deixá-la na forma escada.

Teorema: Se $A$ é quadrada $n\,x\,n$, então $A$ é linha equivalente a $I_n$ (identidade de ordem $n\,x\,n$) se e somente se o sistema $Ax=0$ admitir somente a solução trivial.

Prova: se $A$ é linha equivalente a $I$ então $Ax=0$ e $Ix=0$ possuem as mesmas soluções. Como é claro que $Ix=0$ só admite solução trivial, então $Ax=0$ também só admite solução trivial. Para a recíproca, supomos que $Ax=0$ tenha solução trivial. Seja $R$ a matriz escada $n\,x\,n$ linha equivalente a $A$ e $r$ o número de linhas não-nulas de $R$. Como $Rx=0$ deve possuir solução trivial (pois é linha equivalente a $A$), é necessário que $r\geq n$. Mas como $R$ tem $n$ linhas, devemos ter $r\leq n$, de onde segue que $r = n$. Como $R$ é forma escada, e pelas condições impostas, $R = I$.

Esse teorema agrega uma informação importante sobre matrizes que veremos mais a frente.

Definição: Uma matriz é dita elementar se pode ser obtida aplicando-se operações elementares na identidade.

Teorema: Seja $e$ uma operação elementar e $E$ a matriz elementar correspondente a essa operação $(E=e(I))$. Então, para qualquer matriz $A$, temos: $e(A)=EA$

Esse último teorema diz que aplicar operações elementares numa matriz $A$ é a mesma coisa que aplicar a mesma operação na matriz identidade ($e(I)=E$) e multiplicar a matriz resultante elementar com $A$. Quem estiver interessado pode brincar. Pegue uma matriz identidade 2x2, troque suas linhas e multiplique numa outra matriz 2x2. Veja que essa matriz sofrerá a mesma troca de linhas, e isso acontece com qualquer operação elementar feita na identidade. Aliás, duas ou mais operações elementares sucessivas numa matriz  $A$ podem ser feitas separadamente em matrizes identidades, e o produto dessas matrizes com a matriz $A$ gera o mesmo resultado.

Estamos quase no fim do post. Vamos a mais um teorema e um corolário importantíssimo:

Teorema: Se $A$ é quadrada $n\,x\,n$, equivale dizer:
  1. $A$ é inversível
  2. $A$ é linha equivalente a identidade
  3. $A$ é produto de matrizes elementares.
Esse teorema garante o seguinte corolário: Se $A$ é inversível e uma sequência de operações elementares reduzem $A$ a identidade, então a mesma sequência de operações aplicada em $I$ geram $A^{-1}$.

Finalmente, era ai onde queria chegar nesse post de hoje. Essa é a grande força de tudo o que falei até agora - aplicando uma sequência de operações em $A$ que a leve para $I$, a mesma sequência aplicada em $I$ leva a inversa. Isto é: $E_n \ldots E_2 E_1 A = I \iff E_n \ldots E_2E_1 = A^{-1}$.

Vamos ver que na prática isso acontece mesmo. Abra a figura abaixo para verificar os passos que realizei no mathematica. Defini uma matriz 3x3. Em seguida, apliquei diversas operaçõoes elementares para reduzí-la a identidade. Depois, apliquei as mesmas operações na identidade, gerando uma nova matriz e no fim multipliquei essa nova matriz e a original e obtive a identidade, como esperado.



Dúvidas em relação a teoria ou aos passos no mathematica, deixem recados que responderei prontamente.

Abraços!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Preguiça cósmica

Às vezes, nós, estudantes, ficamos frustrados quando aprendemos algum conceito em física muito dependente das "condições ideais". O gás ideal parece ser uma farsa, conspiração dos livros. A energia, tão bonita no papel, fica feia na prática - nada dela se conserva, há perdas por todos os lados. Então chega uma hora em que o que temos vontade é de amaldiçoar todo aquele povo que formulou as teorias. Galileu, Newton, Pascal, Lagrange...

Brincadeiras à parte, existe um principio em física, pouco ou quase nada visto pelo pessoal da engenharia (infelizmente), chamado princípio da ação mínima. Eu não vou entrar em muitos detalhes, até porque não estudei isso direito, mas "existe" uma grandeza chamada ação - a unidade de ação é J.s, que vem de energia vezes tempo - e os corpos, quando vão de um estado para outro o fazem pelo caminho que minimiza a ação.  Naturalmente esse princípio generaliza as leis de Newton, mas isso é assunto um pouco mais complicado. Bom, o princípio da ação mínima justifica o motivo da luz percorrer geodesias no espaço curvo. A famosa curva que a luz de uma estrela fez contornando o sol no eclipse de 1919, que levou Einstein aos holofotes, é resultado desse princípio, ou seja, existe uma preguiça cósmica natural que faz as coisas fazerem as coisas do jeito mais fácil, entendeu?

Então para o leitor que também fica indignado com o mar de teorias sem aplicação, o princípio da ação mínima é um prato cheio - esse fenômeno está em todo lugar e não precisamos pensar nas condições ideais. Até mesmo nos seres humanos isso se manifesta com clareza. Pergunte para qualquer pessoa se ela gostaria de ganhar dinheiro sem trabalhar - todas responderiam que sim, lógico, pois o princípio da ação mínima diz que as coisas querem sempre fazer as coisas do jeito mais fácil. O caminho mais fácil para que os políticos se perpetuem no poder é fazendo o circo que fazem. A física explica!

A proxima vez que você for acordado de manhã cedo pelo seu despertador, tiver que ir para a faculdade/trabalho para enfrentar um dia pesado, lembre-se, a física está do seu lado para te atazanar e te querer fazer largar tudo, afinal, para que ralar se sempre existe um jeito mais fácil de se chegar no ponto final?

Nossa preguiça tem origens mais profundas do que imaginamos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sobre sistemas lineares.

Esse post vai falar rapidamente sobre sistemas lineares - sem escrever as matrizes dos sistemas, pois isso cansa pra fazer aqui. A ideia é fazer algo mais qualitativo - espera-se que o leitor tenha um conhecimento básico em matrizes e operações elementares (matriz linha reduzida - escada).

Bem, um sistema linear é uma expressão da forma $Ax=b$, onde $A$ é uma matriz de ordem $m\,x\,n$ conhecida, $x$ é um vetor coluna  $n\,x\,1$ desconhecido (queremos encontrá-lo) e $b$ é o chamado vetor de dados $m\,x\,1$.
Para não haver confusão, dizer que se $A$ é $m\,x\,n$ significa que a matriz tem $m$ linhas e $n$ colunas. Em outras palavras, o sistema $Ax=b$ tem $m$ equações e $n$ incógnitas.

No que se refere a solução deste sistema, consideremos o caso em que $m = n$ e $b\neq 0$ .  Isso quer dizer que $A$ é uma matriz quadrada e que o sistema é não-homogêneo.

No caso de $A$ ter inversa, $A^{-1}$, a solução do sistema $Ax=b$ é obtida multiplicando-se os dois lados pela inversa (respeitando a ordem da multiplicação). Ou seja: $A^{-1}Ax=A^{-1}b \Rightarrow x=A^{-1}b$ pois $A^{-1}A=I$.
Veja que o sistema $Ax=b$ tem solução se e somente se $A$ for inversível, e uma condição para que $A$ seja inversível é que $det A\neq 0$.

Isso nos leva a outra situação. Se $det A=0$ a matriz $A$ não tem inversa - o que nos leva a considerar alguns casos menos diretos que o anterior - quando o sistema pode ou não ter solução.

Quando não há solução: Imagine o sistema formado pelas equações $x + y = 1$ e $2x + 2y = 3$. Notadamente, vemos que o sistema não tem solução pois a segunda equação soma as quantidades x e y em dobro mas o resultado é 3 e não 2, pela primeira equação. Como verificamos esse fato na forma matricial?

Bem, considere duas matrizes $A$ e $A_e$. $A$ é a matriz dos coeficientes, a qual estávamos nos referindo anteriormente, e $A_e$ é a chamada matriz estendida do sistema - essa matriz difere de $A$ pois existe uma coluna a mais, e essa coluna recebe os valores do vetor de dados $b$. Isto é, $A_e = [A|b]$. Se realizarmos operações linha nessas duas matrizes para colocá-las na forma escada, vamos chegar na situação em que a forma escada de $A$ contém uma linha cheia de zeros e a forma escada de $A_e$ não - voltando a pensar no sistema de equações, chegamos num absurdo onde $0x+0y=1$ - Como detectamos esse absurdo operando nas matrizes dos sistemas?

Chamamos de posto de uma matriz o número de linhas não-nulas na sua forma escada. Então o posto de $A$ (na forma escada) é $1$, e o posto de $A_e$ (na forma escada) é $2$. Quando o posto de $A$ é diferente do posto de $A_e$, então o sistema é impossível. Isso é um teorema, demonstrado mais ou menos por essas ideias que comentamos.

Quando há solução: Mudando um pouco o exemplo anterior, o sistema formado por $x + y = 1$ e $2x + 2y = 2$ é "verdadeiro" no sentido da segunda equação ser o dobro da primeira. Isso quer dizer que tomando qualquer par de números (x,y) que satisfaça a primeira equação, a segunda também o será e vice-versa. Pensando em matrizes, quando o posto de $A$ for igual ao posto de $A_e$, (ambas em sua forma escada),  o sistema $Ax=b$ admite infinitas soluções. (verifique!)

Vimos até agora rapidamente que as soluções de um sistema linear dependem da matriz do sistema ter ou não determinante nulo. Agora vamos abordar o caso do sistema $Ax=0$, isto é, com $b=0$ (e $m=n$). Esse sistema é chamado sistema linear homogêneo.

Da mesma maneira, vamos verificar o que acontece com as soluções à partir do determinante:

Se $detA\neq 0$ a coisa não muda - a matriz $A$ tem inversa e a solução do sistema é dada por $x=A^{-1}0 = 0$. Opa. $x = 0$. Essa é a famosa solução trivial. Na prática, é raro querermos as soluções triviais de um sistema.

Mas se $detA=0$, a matriz $A$ não possuí inversa. Assim, devemos analisar o posto de $A$ e o posto de $A_e$ na forma escada para verificar se o sistema possuí ou não solução. Mas não precisamos de fato analisar o posto pelo seguinte motivo:

A expressão $det A=0$ siginifica que uma linha de $A$ é combinação linear das linhas de $A$. Quando aplicarmos as operações elementares para reduzir $A$ para sua forma escada, essa linha, combinação das outras, vai se anular. Como o vetor de dados é também nulo, o posto de $A_e$ não será modificado e teremos posto de $A$ igual ao posto de $A_e$. Logo, o sistema possuirá infinitas soluções.

Em outros ramos da matemática (e muitas vezes da física), quando chegamos num sistema homogêneo buscamos sempre as soluções não triviais. Assim, para haver soluções não trivias impômos ao determinante da matriz do sistema ser nulo, com base nas ideias discutidas acima.

Talvez o leitor se pergunte - por que tanta algebrização, definição, etc etc etc. Bem, a simplicidade de um sistema 2x2 é traiçoeira, de modo que não podemos supor sua existência nos sistemas de ordens maiores. Ao trabalhar com sistemas, 20x20, 50x50, 1000x1000, essa sistematização é inevitável para encontrar soluções, etc.

Talvez eu tenha esquecido de algo, pois escrevi isso bem rápido. Esse tema tem muito pano para a manga, e quando falarmos de espaços vetoriais, subespaços, as coisas ficarão mais interessantes.

Abraços. Parabéns aos alunos que foram aprovados no vestibular (o resultado saiu hoje).

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