Introdução
Neste artigos veremos como a matemática pode nos ajudar a entender e lidar com situações financeiras práticas do dia-a-dia. Ou, inversamente, como questões desse âmbito estimulam sua compreensão. Especificamente, vou falar de progressões aritméticas e geométricas e associá-las ao estudo dos juros simples e compostos. Depois um pouco sobre bancos e o que motivou-me a escrever este pequeno artigo.
Progressões
Costuma-se ouvir dos médicos, quando cuidam de algum enfermo, que o tratamento progrediu, ou que uma doença regrediu. Os hipnólogos falam de terapia da regressão e os educadores discutem a tal da progressão continuada no ensino fundamental.
Progressões ou regressões são conceitos comuns, utilizados tácitamente no cotidiano. Tácitamente porque não sabemos muito bem seus significados exatos, mas sim porque essas palavras são utilizadas em casos em que eventos ocorrem sucessivamente em relação à uma mesma entidade (o paciente, a doença, as lembranças da infância, o nível escolar).
Todavia o matemático, antes mesmo de falar em progressão ou regressão, pensa em sequências. Uma sequência é uma sucessão de elementos escrita geralmente como $\left(a_{0},a_{1},\ldots,a_{n}\right)$ . Os índices indicam a posição do elemento na sequência, o n denota o tamanho genérico da sequência (se n=3 então a sequência é $(a_{0},a_{1},a_{2})$ ) e as reticências estão lá 1o. - para economizar escrita; 2o. - para mostrar que a sequência segue naturalmente até n. Ao dizer que uma sequência é uma progressão, então existe uma lei definida que relaciona os termos entre si, de modo que todo sucessor de um termo difere do antecessor por uma razão.
Veja que a definição matemática se aplica, mutatis mutandi, aos casos que citei acima: supomos hipoteticamente que, a cada semana, os enfermeiros coletam o sangue do paciente para análise. Se na semana 1 o sangue apresentava 100.000 plaquetas (um número ruim), na semana 2, 140.000 plaquetas (um número razoavelmente bom), e na semana 3, 200.000 plaquetas (um número bom), o quadro do paciente progrediu. Ou seja, criou-se uma sequência de características de sangue que, vistas a partir da sucessão temporal e tomando como referência a primeira medida, sorfeu aumento no decorrer do tempo.
Não se costuma falar de regressões na matemática, mas pode-se considerar regressões como progressões cuja razão fixada faz com que os sucessores sejam menores do que antecessores ($10,9,\ldots,1$) por exemplo.
Há dois tipos de progressões. As aritméticas e as geométricas. As aritméticas são aquelas em que os sucessores de um termo inicial são o termo inicial mais uma razão fixa. Em símbolos, seja $\left(a_{0},a_{1},\ldots,a_{n}\right)$ a sequência, então $a_{0}=a_{1}+r$ , $a_{2}=a_{1}+r=a_{0}+2r$ e assim vai até a fórmula do termo geral $a_{n}=a_{0}+n\times r$
As progressões geométricas são aquelas em que os sucessores de um termo inicial são o termo inicial vezes a razão fixa. Em símbolos, $a_{1}=a_{0}\times r$, $a_{2}=a_{1}\times r=a_{0}\times r^{2}$, e assim vai até a fórmula do termo geral $a_{n}=a_{0}\times r^{n}$
Por inspeção, verifica-se que a progressão geométrica cresce (ou decresce, caso a razão seja negativa para a P.A. ou racional a/b , com b>a para a P.G.), por natureza, mais rapidamente que a aritmética. Esse fato será importante para entendermos a cobrança de juros - que falaremos agora.
Juros
Não vou entrar em detalhes históricos para economizar linhas, mas juros é, simplificadamente, o preço que se paga por um empréstimo (além do empréstimo, é claro). Da maneira como é cobrado, corresponde, de alguma forma, ao valor do tempo que o dinheiro do credor fica fora de suas mãos, por assim dizer.
No que segue, montante significa a quantia inicial emprestada ou investida.
Há duas maneiras teóricas de cobrança de juros - uma corresponde à progressão aritmética e outra à geométrica. Falo dos juros simples e dos juros compostos. Os juros simples correspondem à aplicação de uma taxa fixa proporcional ao montante inicial, durante intervalos de tempo pré-determinados. Por exemplo, se o montante inicial fosse de 100,00 e a taxa de juros simples fosse de 10% mensais, então no mês seguinte esse montante seria de 110,00, no outro mês 120,00, 130,00, etc. O montante cresce em progressão aritmética de razão 10.
Os juros compostos correspondem à aplicação de uma taxa fixa proporcional ao montante instantâneo, ou o valor presente, durante intervalos de tempo pré-determinados. Neste caso, utilizando o mesmo montante inicial e a mesma taxa de juros (agora compostos), então no mês seguinte o montante seria 110,00, mas no próximo mês o montante seria de 121,00, no outro 133,10, etc. O montante cresce em progressão geométrica de razão 1,1.
Analisando um pouco mais detalhadamente a série geométrica anterior e considerando que o montante inicial seja $a_{0}=100$ reais, vemos que: $a_{1}=a_{0}\times1,1=a_{0}(1+0,1)=100(1+0,1)$, $a_{2}=a_{1}\times1,1=a_{1}(1+0,1)=100(1+0,1)^{2}$, $a_{3}=a_{2}\times1,1=100(1+0,1)^{3}$. Percebe-se que o padrão segue o termo geral supracitado ($a_{n}=a_{0}\times r^{n}$).
Portanto, de forma genérica, qualquer cobrança de juros compostos pode ser indicada da seguinte maneira: $V(t)=M(1+r)^{t}$ onde $V(t)$ é o valor da aplicação em determinado tempo t , M é o montante e r é a taxa de juros. Geralmente essa função tem entrada discreta, isto é, a cobrança de juros é feira por períodos temporais não contínuos - anualmente, semestralmente, mensalmente, etc.
A dúvida que surge em relação a essa natureza discreta da cobrança de juros é a seguinte: Suponha que um banco queira ganhar mais dinheiro de seus clientes de forma sutil (na verdade, isso não é uma suposição, esse é o mote das empresas financeiras). Para isso, a cobrança anual de 10% de juros será dividida em duas cobranças semestrais de 5%. Feito isso, a cobrança anual resultaria num valor final de $V_{anual}=1,1M$ e a cobrança semestral resultaria em: $V_{sem}=(1,05M)\times 1,05=1,1025M$ . Repare que o resultado da cobrança semestral pode ser escrito como $V_{sem}=M(1,1+0,0025)=1,1M+0,0025M=V_{anual}+0,0025M$, de modo que o valor final é aumentado de 0,25% do montante inicial se cobrado juros semestrais. Se essa diferença parece pequena, podemos supor, grosseiramente mas como exemplo, que o FMI passe a cobrar semestralmente os juros sobre a dívida externa brasileira, ao invés de anualmente. Como a dívida externa beira os temíveis 300 bilhões de dólares, o aumento no valor final seria de 0,25% vezes 300 bilhões, o que nos dá, aproximadamente, 750 milhões de reais a mais do que seria obtido na cobrança anual. Parece brincadeira né?
Se o leitor está atento e inferiu, a partir dos casos anteriores, que é possível os bancos ganharem mais dinheiro cobrando os juros em períodos mais curtos, posso dizer que inferiu certo, mas nem tanto. Se, por exemplo, os juros fossem cobrados mensalmente, então o valor final do montante seria $V_{mensal}=1.10471M=V_{anual}+0,0471M$. Se os juros fossem cobrados por hora, então $V_{hora}=V_{anual}+0,0517M$.
Expressando o que estamos fazendo algebricamente, temos a seguinte situação:
$V(p)=M\left(1+\frac{r}{p}\right)^{p}$
A equação é a da cobrança de juros compostos mas com a taxa relativa aos períodos de cobrança p. Os casos numéricos que apresentamos acima são consequências dessa fórmula para diferentes valores de p . Vimos que com o aumento de p os juros cobrados tendem a aumentar, mas modestamente, o que sugere haver um limite nesse crescimento. Considerando o caso em que a taxa r=1, então a seguinte expressão:
$V(p)=M\left(1+\frac{1}{p}\right)^{p}$
pode ser reescrita como $\frac{V(p)}{M}=\left(1+\frac{1}{p}\right)^{p}$
Dessa maneira, o limite da razão entre o valor do montante acrescido juros e o montante inicial, quando o período de cobrança cresce infinitamente é: $\lim_{p\to\infty}\frac{V(p)}{M}$=$\lim_{p\to\infty}\left(1+\frac{1}{p}\right)^{p}$
$\lim_{p\to\infty}\frac{V(p)}{M}=\mathbf{e}$
Ou seja, acabamos de descobrir duas coisas valiosíssimas:
1. Esse número, para o qual a expressão converge no limite, é o numero de Euler, a constante e, 2,718(...), a base dos logarítmos naturais. Acredita-se que a descoberta desse número ocorreu devido ao estudo dos juros, assim como fizemos agora. Interessantíssimo.
2. Por mais que o banco tente extraír mais dinheiro de nossos bolsos, através desse artifício de fracionar os períodos de cobrança de juros, há, pelo bem de nossas economias, um limitante que segura o crescimento da 'brincadeira'.
Na realidade, os juros bancários não são cobrados dessa maneira (ufa!), embora possa parecer pelo que escrevi. Quando é de interesse do banco cobrar os juros por periodos menores que o habitual, é preciso calcular a taxa equivalente de juros que, se aplicada ao montante tantas vezes quantas forem os períodos de cobrança, resulta no mesmo capital, se no montante inicial fosse aplicado a taxa de somente um período. Geralmente, as taxas de juros são fixadas pelos BC's dos países.
Esse post foi motivado pois minha conta bancária estava negativa sem que eu tivesse feito compras ou estivesse com dívidas. Fui investigar e descobri, pelo bem da matemática, que não houve cobrança de juros indevido sobre algum crédito - mas sim cobranças e mais cobranças sobre serviços, que muitas vezes nem sabemos que existe, mas que, na ocasião da abertura da conta junto ao banco, não nos atentamos para as entrelinhas do contrato. Enfim.
Bem, sobre juros compostos, taxas de juros equivalentes e outros assuntos sobre matemática financeira, sugiro a leitura de uma apostila do prof. Reginaldo, da UFMG, que está no link: Matemática Financeira - Reginaldo
Abraços para todos.
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