segunda-feira, 26 de julho de 2010

Back to work

O fim das férias traz o inicio daquilo que antes havia sido comum: falta de posts. Não por mal, mas as obrigações semestrais são, de fato, um pouco mais importantes que o blog. Mas mesmo assim, quando me houver tempo, volto a escrever. Ainda sim, vou dar continuidade ao último post sobre a derivada do produto e em alguns dias trago a segunda parte. Por ora, apresento-lhes uma identidade muito interessante. Abraços e bom semestre acadêmico para quem o inicia.

3435 = 33 + 44 + 33 + 55




sexta-feira, 23 de julho de 2010

Derivadas do produto usando o Mathematica, parte 1

Olá,

Esse post vai falar sobre a derivada do produto de duas funções, que leva o nome de regra do produto. Primeiro mostraremos a demonstração formal dessa regra, depois verificaremos alguns exemplos no software mathematica. Na segunda parte desse post faremos uma conjectura sobre a n-ésima derivada do produto de duas funções a partir dos resultados. Por fim, vamos ver que essa conjectura é de fato verdadeira e recebe o nome de "fórmula de Leibniz".

Começamos então por lembrar da definição formal de derivada. Nesse post não vamos nos preocupar com algumas condições de existência, mas suponha que $f$ seja uma função derivável num intervalo que contenha um ponto. Dizemos que a $f$ é diferenciável num ponto $a$ se

$$\lim_{h\to a}\frac{f(a+h)-f(a)}{h}$$

existir. Uma boa dica para interpretar essa definição é emprestar da física a idéia de velocidade. Suponha que temos uma função $S(t)$ que define a posição dum móvel no tempo $t$. Segue então que o quociente $\frac{S(t+\Delta t)-S(t)}{\Delta t}$ corresponde à velocidade média desse móvel ao longo do intervalo de tempo $\Delta t$, dentro do qual o móvel estava na posição $S(t)$ inicialmente, e no fim do período considerado estava em $S(t+\Delta t)$. Veja que a velocidade média depende tanto da função que descreve o movimento do móvel quando do intervalo de tempo considerado. Mas se o intervalo de tempo for muito pequeno, isto é, se $\Delta t\to 0$, o quociente pode ser escrito como $\lim_{\Delta t\to 0}\frac{S(t+\Delta t)-S(t)}{\Delta t}$, essa expressão não mais depende de $\Delta t$, somente de $S$ e de $t$. Esse limite é defindo como a velocidade instantânea do móvel e escrevemos $S`(t)$.

Fugindo da física, é útil pensar em função como um operador (que obedece as leis básicas da álgebra) de variáveis. Isso dá mais liberdade e praticidade para escrever algumas expressões e utilizaremos na demonstração de uma derivada a seguir. Por exemplo, podemos expressar uma soma de funções $f(x)+g(x)$ como $(f+g)(x)$, assim como o produto de duas funções pode ser escrito como $(f\cdot g)(x)=f(x)\cdot g(x)$.

Agora, vamos para o objetivo principal do post, a derivada do produto de duas funções. Podemos apresentá-la como uma definição:

Seja $f$ e $g$ funções diferenciáveis num ponto $a$, então:
$$(f\cdot g)`(a)=f`(a)\cdot g(a)+f(a)\cdot g`(a)$$

Prova: Utilizando a definição:

$$(f\cdot g)`(a)=\lim_{h\to 0}\frac{(f\cdot g)(a+h)-(f\cdot g)(a)}{h}=$$
$$=\lim_{h\to 0}\frac{f(a+h)g(a+h)-f(a)g(a)}{h}=$$
Somando e subtraíndo $\frac{f(a+h)g(a)}{h}$ na ultima expressão:
$$=\lim_{h\to 0}\frac{f(a+h)g(a+h)-f(a)g(a)}{h}+\frac{f(a+h)g(a)}{h}-\frac{f(a+h)g(a)}{h}=$$
$$=\lim_{h\to 0}[\frac{f(a+h)[g(a+h)-g(a)]}{h}+\frac{g(a)[f(a+h)-f(a)}{h}]=$$
$$=\lim_{h\to 0}f(a+h)\cdot\lim_{h\to 0}\frac{g(a+h)-g(a)}{h}+\lim_{h\to 0}\frac{f(a+h)-f(a)}{h}\cdot\lim_{h\to 0}g(a)=$$
$$=f`(a)\cdot g(a)+f(a)\cdot g`(a)$$

A demonstração envolve um truque de somar e subtrair um termo para poder arranjar os outros e chegar no resultado.
Bem, agora vamos verificar alguns exemplos no Mathematica. O interessante é que esse software nasceu essencialmente simbólico, e por isso sabe muito bem cálculo e se dá bem com essas contas, veja lá:


Veja que na primeira linha utilizamos um comando para definir uma função que é o produto de duas outras. Quando definimos uma função colocamos a variável entre colchetes seguido de um underline _. O símbolo := significa atribuição, mas não no mesmo sentido da programação em C, por exemplo. Depois veremos isso com mais calma numa outra oportunidade. Seguimos a atribuição com o produto de duas funções genéricas de x, f e g. Na segunda linha entramos com a notação usual da derivada, mas poderia ter sido D[p[x],x] também. A terceira linha fornece o resultado, como previsto pela definição acima.


Usando a outra notação: Escrevemos D[função,x]. Repare que todo comando tem seus argumentos dentro de colchetes, assim como as funções (Cos[x], Sin[x], Abs[x] (módulo de x)). Em particular, a operação feita por D[] exige que se especifique em qual variável ocorrá a derivação. Na segunda linha, obtemos o resultado.

A parte 1 do post termina aqui. Quem estiver interessado, procure realizar sucessivas derivações de um produto de funções para ver o que acontece. No próximo post vamos fazer isso com ajuda do software e depois mostrar um caso geral.

Caso queira ler mais posts sobre derivadas, temos uma demonstração da derivada da função seno aqui.
Até mais!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Falácias e leitura dinâmica

Dentre os livros e apostilas de auto-ajuda, aqueles que falam sobre e "ensinam" leitura dinâmica são de longe os piores. Digo isso porque a promessa é sempre a mesma: métodos infalíveis para ler, sei lá, 6000 palavras em um minuto, comprovados científicamente, tratando a leitura como se fosse uma disputa de atletismo. Às vezes ainda dizem que o método garante melhor raciocínio e memorização, tudo no mesmo pacote. Se você pensa em se tornar esse triatleta (rapidez, memória e raciocínio) literário, peço desculpas, mas acontece que esses livros e apostilas não passam de falácias (seus autores só querem arrecadar dinheiro). Antes de ir aos fatos, primeiro é bom dizer que não acho de tudo ruim livros de auto-ajuda em geral, desde que se lidos de maneira correta (o leitor não precisa seguir de cabo a rabo as indicações desses livros, mas sim, tê-las como ideias para estruturar alguma atividade, etc.), assim como acredito ser possível desenvolver uma boa leitura, mas não do modo como é apresentado.
Ocorre que a leitura é um processo demorado, que só traz resuldados depois de um bom tempo de dedicação. Existe um período até que o leitor se habitue à prática de leitura, em que ele descobre qual o melhor jeito de ler (por exemplo, se prefere ler todo o texto rapidamente para depois ler outra vez com mais calma), a melhor posição, se prefere a luz do dia ou uma luz de lâmpada, esse tipo de coisa. Com a prática, é possível aumentar a velocidade de leitura naturalmente, na medida em que o texto em questão permita essa velocidade. O que quero dizer é: não se gasta o mesmo tempo lendo-se um jornal ou um livro. Cada um exige uma atenção diferenciada.
Nesse sentido, eu prefiro até classificar a leitura como sendo corriqueira ou completa.
Leitura corriqueira é aquela em que não existe compromisso em extrair toda a informação possível do texto, no sentido de que a mensagem que o excerto quer passar não vai ser perdida se um ou outro detalhe for omitido. Por exemplo, não é necessário que você saiba o nome do delegado, do bandido, e da vítima, para saber que ocorreu um assassinato. Esse tipo de leitura é comum ser feita às pressas, dentro de um ônibus, num ambiente inapropriado, com barulhos, etc. Não só jornal, mas livros de contos, romances, ficção, são, na minha opinião, também passíveis de leitura corriqueira.
Já leitura completa pressupõe que o leitor "firme um contrato" com o veículo da informação, para extrair dele o máximo que se pode. Esse contrato a que me refiro é um compromisso de leitura lenta, sem pressa de acabar, lenvando-se em conta cada detalhe e nuance do texto, e para isso é necessário tempo, silêncio, imersão e intimidade com o que se lê. Livros científicos, ensaios, ou romances cujas histórias são intrincadas, cheias de indas e vindas, com diversos personagens importantes que surgem, somem e ressurgem no decorrer do conto são exemplos de leituras completas, tanto porque as informações dadas no início do texto são importantes até seu fim, quanto porque exigem mais atenção em relação ao que chamei de leitura corriqueira.
É lógico que a leitura corriqueira pode passar a ser completa, desde que o leitor evite a pressa e procure entender passo a passo o que está no texto, anote os pontos principais, entre outras ações que ajudem no entendimento.
Nos dois casos, entretanto, a prática é benéfica para quem lê, pois estimula, de fato, o raciocínio, a fala e a escrita. Não que você se tornará um gênio, orador ou poeta, mas é claro que existirá uma evolução nessas capacidades.

Se por um lado é necessário ter paciência para ler e se habituar a ler, de outro lado os cursos de leitura dinâmica buscam o oposto, isto é, a premissa é simplesmente ler apressadamente. Dai dizem inventar métodos que agilizam a leitura, sendo que são atitudes naturais que, como supracitado, são adquiridas com o tempo, e não da noite pro dia. Além do mais, insistem em exercícios de velocidade que desvirtuam totalmente o sentido da leitura, que passa a ser perceptiva e não interpretativa. O que quero dizer é que ter habilidade de reparar em 300 palavras diferentes num intervalo muito pequeno de tempo não lhe faz interpretar mais rápido um texto, mas sim lhe faz reparar em 300 palavras ao mesmo tempo.
Como eu acredito ser em grande parte mentira esses métodos de leitura dinâmica, vou tomar como exemplo um site que encontrei digitando leitura dinâmica na busca do google. É um site que vende um curso sobre leitura dinâmica, mas não vou divulgar o endereço, somente transcrever alguns trechos.
De cara, é muito fácil reparar que o site é todo redigido de forma a encobrir o conteúdo do curso mas feito para persuadir o comprador. Todos os argumentos são falaciosos em sua totalidade. Em verde, vão os pontos principais de cada tópico.

  1. Textos exclamativos em excesso: O nome do site, ou pelo menos o que vai escrito na borda do navegador é "A ciência da fotoleitura - leitura dinâmica - memorização - mapas mentais". Repare que palavras relacionadas e inclusive a ciência é utilizada sempre que se pretende dar credibilidade ao assunto. Outras frases de impacto levam o consumidor a achar que, depois do curso, vai virar um super herói: "Quem não gostaria de descobrir como usar essa nova tecnologia cientificamente comprovada para aumentar seus poderes mentais". Olha ai denovo a palavra relacionada a ciência: "tecnologia cientificamente comprovada".
  2. Frases fortes com sentido fraco: Descendo a barra de rolagem, o site diz: "Esse site é recomendado para quem está querendo: Ler a velocidades médias de 1 página por segundo; aprender o que quiser, mesmo se for muita coisa, em tempo recorde; acrescentar alguns terabytes a mais em sua memória." Eu consigo ler uma página em cada segundo, desde que cada página tenha umas 3 palavras... Repare novamente termos científicos e tecnológicos na última frase. Veja que nenhuma frase acrescenta informação relevante, só diz o mais do mesmo de outra maneira. Digamos que o vendedor quer condicionar o cliente a se acostumar e aceitar as baboseiras que fala.
  3. A fonte da informação: Um grande detector de falácias é verificar se as informações apresentam fontes, e de preferência confiáveis. Basear seu argumento numa fonte desconhecida é uma deixa para o erro. Veja que o site, um pouco mais para baixo, diz "Leia agora essa carta para ver como a neurociência tornou isso (a leitura dinâmica) possível... Data: 21 de julho de 2010 (hoje); Para: Todos que querem aumentar a inteligência; Assunto: Conhecimento é poder!; Estudos mostrados pela neurociência cognitiva tem provado como o cérebro[...] Agora considerando que os educadores atualmente explicam para partes conscientes do cérebro, e sabendo que a mesma representa menos de 2% das funções cerebrais totais. Imagine que..." Repare que não existe carta nenhuma, e sim uma motivação banal para escrever mais baboseiras. Diz a "carta" que a neurociência cognitiva tem provado alguma coisa... Veja que não existe a fonte da informação, portanto, é fato que tudo o que se desenrola a partir dessa frase não pode ser visto com seriedade. Ainda mais, diz que nosso cérebro só utiliza 2% das funções totais (só se for a do autor da carta). Fonte?
  4. O amparo matemático: Uma outra falácia utilizada por esses vendedores é utilizar a matemática como um aliado as suas mentiras. Novamente, não existem fontes que garantam as informações, mas ainda sim eles insistem em colocar números e porcentagens no argumento para parecer que existe alguma verdade neles. O exemplo anterior já mostrou onde esse tipo de falácia se insere e tem mais: "Benefícios imediatos do uso do sistema de fotoleitura dinâmica: Aumentar em mais de 60% a eficiência de leitura; ..." outro uso da matemática para impactar o cidadão: "Como ler livros em 200x, 300x, 500x vezes mais veloz e com muito mais clareza...".
  5. Falsos depoimentos: Principalmente os sites de vendas na internet são repletos de falsos depoimentos à favor do vendedor, tudo para tentar comprovar sua idoneidade e enganar o comprador.
  6. Imagem é tudo: Excessos de imagens também são indicadores de pilantragem. O site em questão apresenta diversas fotos de pessoas felizes, bem vestidas e com ares de sucesso, imagens de cientistas famosos (Einstein, Newton).
Veja que no site do mercado livre, por exemplo, muitos, mas muitos anúncios seguem todos esses passos que eu citei. São repletos de frases de efeito, imagens, textos mentirosos mas servem para enganar o consumidor. É lógico que muitos vendedores são honestos, entregam a mercadoria, mas é bom tomar cuidado com calotes e anúncios que não correspondem ao objeto comprado.

Em ano de eleição, é bom saber reconhecer esses argumentos falhos na hora de votar. Fique esperto nos debates.



segunda-feira, 19 de julho de 2010

Exercício resolvido, sequência

Bom, sobre o post anterior, acabou que o exercício não era para ser resolvido do modo que havia pensado. Mas consegui resolver bonitinho. Vai la (TENTE RESOLVER ANTES DE VER A RESLUÇÃO!):

Seja S a sequência abaixo. Encontre o 2009° termo.

$S = 1,2,2,3,3,3,4,4,4,4,5,5,5,5,5,...$

Vamos primeiro as idéias:

Bem primeiro pensei em arranjar os números num triângulo, parecido com o triângulo de Pascal, no qual dispus em linhas algumas "sub-seqüencias" e em colunas haviam os números 1,2,3,... consecutivamente.



Bom, a figura é autoexplicativa. Então tentei buscar relações entre os números, sem sucesso.
Ai então reconfigurei essa tabela de forma que a i-ésima formasse uma sequência, e a i+1-ésima coluna formasse uma sequência similar porém sem o primeiro termo da sequência anterior. Cheguei então nessa figura (que se extende para baixo e para a direita...), que ficou com cara de matriz triangular inferior.


Pensei então em fazer um somatorio de todos os elementos de cada coluna em função do número de colunas e tentar fazer um sanduíche: dizer que o n-ésimo termo estaria contido entre essas duas somas.
Descobri que estava errado em relação a soma do número de colunas, mas estava certo em relação a fazer um sanduíche. A sacada foi fazer a soma não de cada elemento, mas a soma do número de elementos. Veja só a resolução heurística:

Se fizermos a soma da quantidade de entradas preenchidas na figura acima obtemos $28.$ Mas repare que fazer a soma de todos os elementos é calcular a soma de uma progressão aritmética de primeiro termo igual a 1 e razão igual a 1 também. Isto é:

$S_n = \frac{(a_1 + a_n ) \cdot n}{2}$ mas como $a_n = n$ e $a_1 = 1$, temos:

$$S_n = \frac{n^2 + n}{2}$$

Veja que pondo $n=7$ obtemos $28$, etc. Vale dizer então que o n-ésimo termo "x" da sequência vai estar compreendido entre a soma da quantidade de elementos da matriz até a (n-1)-ésima linha e a soma até a n-ésima linha. É ai que entra o sanduíche. Isto é:

$$S_{n-1}= \frac{n^2-n}{2}< x < \frac{n^2 + n}{2}= S_{n}$$

Para verificar, vamos descobrir o 13° termo da sequência, que já sabemos ser $5$. O fato é que o 13° termo vai estar compreendido entre duas linhas, e queremos descobri-la. Colocando na desigualdade:

$$\frac{n^2-n}{2} < 13 < \frac{n^2 + n}{2}$$
$$n^2-n < 26 < n^2 + n$$

Repare que $$4 < \sqrt{26}< 5$$, testando $4$ e $5$ vemos que a inequação é válida somente para $n = 5$, como esperávamos. Agora basta aplicar o mesmo procedimento para encontrar o 2009° termo.

$$\frac{n^2-n}{2} < 2009 < \frac{n^2 + n}{2}$$
$$n^2-n < 4018 < n^2 + n$$

Como $$63 < \sqrt{4018}< 64$$, verificamos que somente 63 satisfaz, logo o 2009° termo é 63.

Talvez a explicação não tenha ficado muito clara, mas verifique alguns exemplos mentais, veja que cada linha dessa matriz que eu desenhei tem o número de termos igual ao primeiro termo, isto é, a quinta linha, que começa com $5$, tem $5$ elementos iguais a $5$. Isso sugere que na n-ésima linha existirião n termos, e na linha anterior existirão (n-1) termos, logo, um termo arbitrário necessariamente deve estar entre essas duas linhas. Trabalhando com a formula da soma genérica, conseguimos determinar qual valor se encaixa na desigualdade.

Bonito, não?


Alguma idéia?

Estou pensando recentemente num problema que aparentemente eu já resolvi nos idos do ensino médio mas devo ter esquecido como funcionava... Basicamente é uma sequência cuja diferença entre o termo seguinte e o anterior é uma progressão aritmética. Assim que conseguir resolver vou postar o exercicio que me motivou. Abcs

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Axiomas de Peano para os números naturais



A matemática, como toda ciência, pode ser pensada como um muro. Cada tijolo é uma teoria, um ramo do saber, e cada tijolo sucessor só o é pois consegue se apoiar nos anteriores, de modo que existe uma continuidade crescente. Os matemáticos são os pedreiros, que colocam e posicionam os tijolos, e um outro tipo de trabalhador, aquele que "passa a massa", que fixa o novo tijolo ao antecessor com uma substância concreta, é conhecido como o lógico. (Vamos supor, para todos os efeitos, que existe distinção entre matemático e lógico).


A analogia acima é um exemplo, mutatis mutandi, de como a matemática funciona. Geralmente os matemáticos se baseiam em conhecimentos pré-existentes para criar suas teorias, pois eles complementam e fornecem solidez  às novas ideias. Isto é, mais um tijolo é erguido sobre os outros. O próprio Newton escreveu para Robert Hooke, aquele mesmo da lei de Hooke, que "Se vi mais do que você e Descartes, é porque me coloquei sobre os ombros de gigantes" quando criou o cálculo diferencial e integral. Ainda que a teoria de Newton tenha sido de fato inovadora, no sentido de dar um tratamento sistemático às descobertas de Fermat, Barrow, Arquimedes e outros, podemos dizer que não foi rigorosa no sentido de que muitos dos processos envolvidos ainda eram obscuros, mas funcionavam. Analogamente, é possível dizer que Newton posicionou muito bem seu tijolo, mas ninguém passou a argamassa nem concretou aquele imponente pedaço do muro.

O ponto no qual quero chegar, e a analogia vai servir bem para entendê-lo, é o seguinte: "Em onde os primeiros tijolos se sustentam?". A pergunta, embora simples, tem sua resposta: "No chão, oras!". É ai que nos enganamos pela simplicidade da analogia, e ela falha. O chão sobre o qual a matemática se ergue é muito mais complicado que parece. Primeiro, assumimos implicitamente, na analogia, que a matemática, sendo um muro, só crescia numa só direção. Isso é errado, pois existem duas possibilidades: Se conhecemos alguma parte ou teoria da matemática, é possível ou construir/ampliar novas ideias à partir dela (Newton assim o fez) ou buscar simplificá-la, abstraí-la logicamente. A este último procedimento damos o nome de filosofia da matemática, cujo estudo se volta para as questões fundamentais da matemática. Não se constrói nada inovador, mas no fim ela leva a muitas descobertas que acabam contribuindo para os outros ramos. Aqui cabe a distinção entre matemático e lógico. No fundo são de fato a mesma coisa, mas efetivamente o lógico se preocupa com a filosofia da matemática, ao passo que o matemático se preocupa com outras possibilidades (aplicações, etc). Pode-se até dizer que todos os lógicos são matemáticos puros, enquanto que nem todos os matemáticos puros são lógicos. Bem, mas essa não é a discussão que quero chegar.

Nesse sentido, do objeto de estudo matemático poder se estender por dois lados, os lógicos se preocuparam em buscar o chão daquela nossa analogia. Isso porque a matemática vive num moto perpétuo, isto é, o conhecimento surge rapidamente e cada nova descoberta  precisa ser logicamente correta, livre de subjetividades, afinal, essa é uma ciência que exige um método para bem raciocinar, como disse o pai dos eixos cartesianos Descartes. Só para exemplificar, antigamente muitas teorias emergiam mediante o uso de argumentos heurísticos (o próprio Newton assim fez) e conclusões apressadas. Sendo os conceitos totalmente novos, era extremamente necessário um amparo racional para que toda essa base erguida não se arruinasse.

Giuseppe Peano, matemático italiano que nasceu na metade do século XIX e morreu no século XX, modernizou a lógica matemática e fundou a teoria dos conjuntos. Essa teoria dos conjuntos foi uma maneira encontrada por Peano para reduzir os conceitos matemáticos à axiomas da lógica, fundamentando o solo em que a matemática repousa e eliminando as fontes de erro lógico decorrentes de argumentos incertos. 

Peano começou sua teoria partindo do "objeto" matemático mais simples que parecesse. Naturalmente, pensou na série dos números inteiros positivos, o conjunto Z  = { 0, 1, 2, ..., n, n+1, ...}. Apesar de natural, o conceito de número é algo recente. Por exemplo, o 0 só foi introduzido na Europa no século XIII. Mesmo assim, os números, como números, são conceitos estranhos e abstratos, mas aceitos.
Peano buscou então fazer uma "descida" até primitivas lógicas que não dependam de uma definição, no sentido de pertencer a alguma classe já conhecida, como os números arábicos. Ele pensou que se encontrasse um sistema lógico partindo dos números naturais, ele seria válido para toda a matemática, já que  a matemática pura tradicional, inclusive a geometria analítica, eram derivadas de proposições referente às propriedades dos números naturais. Em outras palavras, a validade do sistema para os números naturais implica na validade do sistema para todo o resto.
Com essa isso em mente, o passo seguinte era encontrar um menor conjunto de premissas e axiomas que definisse o sistema. Peano mostrou que para isso precisaria de 3 conceitos lógicos, além de 5 axiomas. Essa foi uma idéia inovadora e de grande importância para a matemática.

Os 3 conceitos lógicos no sistema de Peano, chamado de aritmética de Peano, são:

0, número, sucessor.

apesar de número entrar nessa definição, ele não é entendido como uma entidade conhecida assim como os números em si. Isso é assunto para outro post. Entende-se a idéia de sucessor como sendo o numero seguinte na ordem natural (esta é uma afirmação fraca também, e pode ser assunto para outro post), isto é, 1 é sucessor de 0, 2 é sucessor de 1, e assim por diante.
Os cinco axiomas de Peano são:

  1. 0 é um número.
  2. O sucessor de qualquer número é um número.
  3. Dois números diferentes nunca têm o mesmo sucessor.
  4. 0 não é sucessor de qualquer outro número
  5. Qualquer propriedade que pertença a 0 e também ao sucessor de qualquer número que tenha essa propriedade pertence a todos os números


Notemos que a propriedade 5 permite definir o método de indução matemática. É possível verificar que as operações matemáticas são determinadas pelas 3 primitivas e pelos 5 axiomas. Por exemplo: Para definirmos a operação básica de soma, partindo de um número a, definimos a + 0 = a e dizemos que a+(b+1) é sucessor de (a+b) (apesar de não ter dito, x+1 pode ser entendido como sucessor de x) para todo b. Em outras palavras, partindo de 0, é possível "contar" quantas sucessões foram precisas para se chegar a a e a b.  
O número expresso por a+b é então o número equivalente a contar essas sucessões repetidas, partindo do 0.

Apesar de elegante, o sistema de Peano é falho no sentido de que qualquer sucessão ordenada, que não tenha termos repetidos, etc, se encaixa nas definições. Não podemos distinguir entre diferentes interpretações de 0, número e sucessor. É possível definir 0 como 10, 1 como 11. Ou 0 como átomo, 1 como molécula, etc. e mesmo assim os axiomas são válidos. Esse é assunto pra outro post também. O objetivo desse foi dar uma pincelada sobre como essa empreitada de reduzir matemática à lógica foi feita.

Bom, não é preciso falar que esses problemas foram contornados por outros matemáticos, fazendo a "lógica" prevalecer.

É isso. 
Referencia: Bertrand Russel: Introdução à filosofia matemática.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Fim do semestre e outras coisas.

O semestre acabou, e o novo só volta em agosto. Férias merecidas, tanto para mim quanto para os alunos que se empenharam no curso de cálculo I. Algumas decepções são normais no início, quando ainda não se sabe o que vem pela frente, mas com o tempo se acostuma com o ritmo e com a carga.
Tenho que registrar minha felicidade em ter conseguido desempenhar um bom trabalho na monitoria, apesar do meu semestre ter sido apertado. Também fico feliz pelo projeto de iniciação científica, na área de matemática discreta, ter sido aprovado pelo CNPQ, ficando agora somente a expectativa de realizar um bom estudo junto com meu orientador.

Bate-papos à parte, andei lendo sobre criptografia, um livro do autor Simon Singh, chamado The Code Book. Conta-se mais do desenvolvimento da criptografia pela história do que a teoria matemática propriamente dita, mesmo assim, algumas explicações são suficientes para entender a ideia central. O livro conta que, durante a segunda guerra mundial, algumas mentes brilhantes conseguiram quebrar as mensagens cifradas dos nazistas, tidas, naquela época, como indecifráveis.
Os alemães utilizavam uma máquina chamada Enigma. No Wikipedia é possível encontrar fotos e detalhes sobre o mecanismo, mas, basicamente, era uma máquina de escrever que, a cada tecla pressionada, fazia acender uma lâmpada com uma correspondente letra cifrada. O processo de cifrar  talvez era um pouco demorado, mas extremamente necessário, uma vez que praticamente todas as mensagens via rádio eram interceptadas pelos aliados, e as informações, obviamente,  precisavam ser preservadas nessa transferência.
Como a máquina dependia da configuração inicial para gerar uma mensagem criptografada, haviam inúmeras possibilidades de se cifrar uma mensagem, e a cada dia essa configuração era trocada, dificultando uma análise de padrões. A idéia dos aliados era testar cada possibilidade de configuração. O problema é que na prática era impossível de se testar todas as configurações da máquina. Mesmo assim, as falhas humanas foram a brecha para a quebra do código, e o preço desse erro foi que os códigos eram quebrados em muito menos tempo, comparado ao que se levaria para testar todas as possibilidades (na verdade, levaria mais que o tempo do universo...). Bom, vou parar de contar, mas fica a sugestão do livro, muito interessante.
Acho que foi mais ou menos na segunda guerra em que nasceu a idéia de resolver um problema matemático por "força-bruta", isto é, testar cada possibilidade até que se prove alguma coisa, ou que se chegue a um resultado esperado. Essa abordagem ainda é controversa, mas funciona. 
Alguns teoremas antigos foram provados com uso da força bruta computadorizada, a exemplo, o teorema das 4 cores, que diz que  podemos pintar um mapa plano, divido em regiões, utilizando somente 4 cores, sem que as regiões vizinhas compartilhem uma mesma cor.

Falando em força bruta, a empresa Dell, fabricante de computadores, nos anos de 2003 a 2005 mais ou menos, teve diversos problemas com os computadores fornecidos no mercado. Cerca de 90% dos que foram distribuídos, apresentaram problemas com os capacitores das placas, que explodiam, vazavam, explodiam e vazavam, inutilizando-os permanentemente. A Universidade do Texas, que havia comprado 450 microcomputadores, teve todos os seus inutilizados. Acionada, a Dell, em sua defesa, alegou que "a universidade estava utilizando os computadores para realizar cálculos matemáticos avançados". É a famosa força bruta, que os computadores Dell não aguentaram o tranco. 

Mais posts em breve, abraços!

Postagem em destaque

Quais os melhores livros de Cálculo 1?

Uma dúvida muito comum de quem acabou de entrar na faculdade de exatas é qual livro de cálculo seguir e adotar como referência. Consulta...